CASEAR - Criação de Documentos Teatrais / Uma Tragicomédia de Máscaras. Entrem e acomodem-se! Elas vão gostar de ter companhia.
Novidade
Da Rosalina para a Rosalina

Bom, como eu estava a dizer, a míuda “pediu-me” para falar um bocadinho da minha vida e cá estou eu. Eu até não gosto nada de falar de mim e da minha vida, mas se é preciso, olha cá vai. Ah, mas é verdade, ainda não expliquei porquê. Eu explico: é que a minha sobrinha, a Rita, vai ter um bebé. É, engravidou! Também já não era sem tempo, a rapariga já tem trinta anos. Bom, e então ela precisa da minha companhia e ajuda, mas só até à criança nascer, que eu gosto mesmo é de animais. É, é! As crianças são muito lindas, mas é para os pais as aturarem e depois dos anos que eu passei a educar os filhos dos outros, foi-se me a paciência. Então eu vou lá passar uns meses a casa dela, que até me faz bem à cabeça, porque a Montserrat às vezes mói-me muito o juízo! É que é muito agressiva! E pelo menos, lá em casa da minha sobrinha posso dar de comida aos pombinhos lá da frente sem ninguém me chatear!
Bom, por causa disso pedi à minha prima do Seixal, a Rosalina (a nossa madrinha não tinha muita imaginação, então deu o mesmo nome às afilhadas todas!), para vir cá para casa tomar conta da Montserrat. É porque a Montserrat parece um bebé, é que não faz nada sozinha! É, é! Ela parece muito senhora de seu nariz, mas sem mim não é nada! Bom, e como eu não vou poder estar com ela, pedi à minha prima, que é muito boa moça e ainda está boa para ir à rua comprar o jornal e o pão, para ir lá para casa estes meses. E, felizmente, ela aceitou. É que se não aceitasse era um sarilho, que eu não a podia deixar sozinha! Só que a Montserrat, que é teimosa como uma porta, não pode perceber desta nossa troca, é que vai logo dizer que não precisa de ninguém, que está muito bem sozinha e por aí adiante. Então, eu e a minha prima combinámos que ela fazia de mim e, como a Montserrat não vê nada bem, nem se vai aperceber. Só que para isso tenho que a pôr a par de algumas coisas da minha vida, não vá a Montserrat (que é mais esperta que o sei lá, danada, danada mesmo!) pôr-se a fazer perguntas para ver se sou mesmo eu.
Então, cá vai:
Eu lá comecei a estudar espanhol e a conhecer alguns colegas, quase todos vindos de outros países da Europa. Eu era muito atadinha, mas a Montserrat, que a sabia toda, começou a dar-me umas lições de “viver a vida” e eu lá fui aprendendo... ora, também nunca fui burra! Para começar cortou-me o cabelo, parecia logo outra, mais moderna! Depois emprestava-me as roupas dela, pintava-me, olha, eu parecia uma boneca nas mãos dela!
A Montserrat, que vinha lá de uma aldeia perto, tinha vindo para Barcelona porque queria ser artista, gostava muito de cantar, e cantava bem! Mas, como ela não tinha assim posses, já nem tinha quase família nenhuma, precisava de ganhar sustento e lá foi para uma empresa trabalhar como telefonista. Mas à noite, arranjava-se toda e calcarroava os bares e clubes nocturnos, arrastando-me pelo braço, para tentar arranjar quem apostasse nela como cantora. Tinha uma força de vontade, a rapariga! Nessas saídas nocturnas acabámos por conhecer muita gente, muitos artistas. Comecei a fumar e a beber, como a Montserrat, e acabámos por fazer um grupo de amigos aspirantes a artistas. Sonhávamos todos em montar um grupo de música de dança com várias cantoras (a Montserrat convenceu-me!) e ainda chegámos a ensaiar. Queríamos estrear-nos na “Paloma”, que era assim o clube de baile mais interessante em Barcelona. Ai, o que nós gastámos as solas dos sapatos naquele chão. Bailávamos sem parar a noite inteira, eu nem sei como é que os nossos pés se aguentavam! E depois fazíamos viagens em grupo: fomos a Sevilla (aquilo é que foi um fim-de-semana!), viemos a Portugal (os meus amigos de cá ficaram todos malucos com a Montserrat, acho que nunca tinham visto uma mulher assim, tão fogosa e brilhante!) e sei lá mais aonde é que a gente foi!
Bom, foram tempos muito lindos. Mas aquela vida não podia durar sempre. Acabei por me apaixonar por um desses homens elegantes e galãs que vivem à noite, que dançava como um anjo, que me fez crer que eu era a mulher da vida dele e eu, que bem tolinha era, caí que nem um patinho. Só tinha olhos para ele! Ah, pois, ele fazia-me sentir uma mulher lindíssima. Comecei a ficar vaidosa. Comprava roupas para ficar bonita para ele e ele elogiava-me e fazía-me sonhar. Dízia que se ía casar comigo, que íamos viajar juntos pelo mundo e eu sei lá mais o quê! Até que um dia caí do cavalo e acordei deste sonho: descobri que o anjo era um diabo que corria atrás de vários rabos de saia e prometia mundos e fundos a todas. Ai! Quando descobri isto sofri muito. Ao princípio nem queria acreditar como é que me tinha deixado levar por aquele homem! A Montserrat ajudou-me muito, queria levar-me a passear, a conhecer outras pessoas, a divertir-me, como fazíamos antes, mas eu estava magoada e já nada tinha brilho para mim.
Por isso, vim-me embora de Barcelona e nunca mais lá voltei. No fundo, vim para Lisboa para fugir dele, pois tinha medo de cair nas suas garras outra vez e se me queria dar ao respeito, não o podia fazer! Comecei a trabalhar como professora primária, comecei a gostar do trabalho e das crianças (que não eram como as de agora que não sossegam um bocadinho). Era uma vida completamente diferente da que tinha vivido em Barcelona, mas pelo menos dava-me sossego, que era o que eu precisava! Fiquei a viver na casa que era da minha mãe e lá vivi, na companhia dos meus animais, durante algum tempo. Eu e a Montserrat continuamos a escrever-nos, mas ela nunca me falava muito da sua vida pessoal.
Só sei que um dia me tocam à campaínha e lá estava a Montserrat! Estava ainda bonita, bem mais velha claro, mas bem arranjada como sempre. Vinha-me fazer uma visita. Foi uma grande alegria. Passeámos por Portugal, apresentei-lhe os meus amigos, os vizinhos e ela foi ficando, ficando. Não sei bem como, mas quando demos por ela já vivíamos as duas nesta casa. E ainda bem! Porque, não sei o que é que aconteceu, passado algum tempo os meus bichinhos (o gato, a cadela, os piriquitos e os bichos-da-seda) morreram todos. Eu andava tão triste que se não fosse a Montserrat estar cá comigo tinha ficado muito sozinha. E lá me aguentei! Lá nos aguentámos, uma à outra, até hoje! E olhem que não sei bem como, porque ela tem cá um feitio que não é nada fácil! O que vale é que eu tenho muita paciência, se não eu não sei o que seria de nós!
Bom, prima Rosalina, acho que sabendo tudo isto da minha vida já é suficiente para que a Montserrat não desconfie de nada. Obrigada por teres acorrido ao meu pedido, pois se não viesses eu não sei como é que ía fazer para deixar a Montserrat e ir tomar conta da minha sobrinha parideira. Se precisares liga-me quando a Monserrat estiver a dormir! Não te preocupes com os teus bichinhos que eu já falei com a minha sobrinha e ela leva-me lá ao Seixal de carro para eu lhes dar de comer! Eu sei que vais sentir muito a falta deles, nem sabes como eu te percebo!
Mais uma vez obrigada e aproveita esta temporada com a Montserrat, que apesar de ter aquele feitio de cão, quando quer é divertida como o raio! Já sabes qual é o pão e o jornal de que ela gosta, não te enganes, se não estás tramada!
Muitos beijinhos e falamos em breve!
Rosalina Esteves
Pps- Não te preocupes com a casa que o electricista e a menina Sara tomam conta de tudo.
Ppps- Cuida bem da Montserrat.
8ª Mostra de Teatro de Sto. André
Muito, muito obrigado por tudo!
Conversa, pós-espectáculo, entre as actrizes, a encenadora e o público, mediada por Mário Primo.
Conferência Sobre Máscaras

Matteo Destro
Actor, Encenador, Pedagogo e Artesão de Máscaras
Licenciado em Pedagogia, forma-se posteriormente na École Internationale de Théâtre Jacques Lecoq de Paris. Especializa-se em Análise de Movimento com Norman Taylor e em Construção e Criação de Máscaras com Donato Sartori. Desde 2001 tem desenvolvido uma intensa actividade como formador e pedagogo teatral em Itália e no estrangeiro. Organiza cursos e seminários sobre Teatro do Gesto, Movimento e Mimo, Técnica da Máscara, Clown, entre outros. Colabora com escolas e companhias de teatro, instituições públicas e privadas, entre as quais Comune di Padova, Regione Veneto, Universidad de Bellas Artes di Bilbao, Stabilimento Teatrale di Caerano San Marco, Scuola Internazionale di Creazione Teatrale Kíklos, Centro Culturale e di Espressione Ossidiana di Vicenza, Istituto Italiano di Cultura di Grenoble, Centro Studi Motus Mundi, Teatro Immagine di Venezia, Xena di Padova, Anonima Teatro Francia, Asphalt Theatre Israele, The School of Theatre “Inchicore College Dubline”.
No sábado, dia 10 de Março, promovemos no Teatro da Trindade, uma conversa com o nosso "mascheraio". Aproveitando a sua visita para ver o espectáculo - e o resultado do seu trabalho - , convidámos todos a ouvir o que o Matteo tem para dizer sobre a construção, a encenação e a reflexão de um teatro baseado nas máscaras.
Máscara Neutra - de Donato Sartori
Máscara Larvar - de Matteo Destro
Estas máscaras fazem parte de "séries", algumas foram utilizadas em espectáculos da sua própria Companhia (Compagnia Larven, Sogno di un Aprendista Rivoluzionário. Ver mais em http://www.larven.it/) e em Companhias estrangeiras (Anonima Teatro, França).
Teatro da Trindade - Estreia


Entrevista da Antena 1